George Orwell: Anatomia do fanatismo e do ódio

Leonidas Donskis faz uma reflexão sobre os ensaios de George Orwell que consideram o nacionalismo como raiz do fanatismo político e ideológico. Partindo dos argumentos de Orwell, Donskis defende que uma forma de nacionalismo liberal e reflectido pode servir, de facto, para questionar de forma crítica o nosso próprio país e cultura.

A loucura é um fenómeno raro em indivíduos –
em grupos, partidos, povos e eras, é a regra.
Friederich Nietzsche, Para além do Bem e do Mal

George Orwell (1903-1950) desempenhou um papel decisivo na luta contra a consciência totalitária e o ódio organizado. Foi através das suas sátiras, distopias e ensaios políticos que a literatura de humanistas solitários e liberais cépticos se tornou no campo de batalha no qual a natureza cínica da política violenta e do ódio organizado do século XX foi exposta de uma forma estimulante. Não só expôs o totalitarismo e o ódio ideocrático, inerente à era do fazer e desfazer de inimigos, mas também pôs a nu as trajectórias da consciência e da imaginação modernas, características das sociedades ocidentais, e profundamente sintomáticas da fabricação de adversários políticos e ideológicos. Podemos dizer que o nome de Orwell se tornou na bandeira erguida por todos quantos acreditaram no valor da singularidade da vida humana, da razão individual e da consciência individual.

Pode dizer-se que a busca de inimigos e a invenção de adversários foi um dos temas principais de Orwell, que permeia a sua ficção e os seus ensaios políticos. Ele decifrou a política do ódio organizado que resulta dos fantasmas e das tramas da perturbada imaginação moderna como mais ninguém na literatura e na filosofia. Se pensarmos que a Europa Central e de Leste pode muito bem ter-se tornado um caso de experiência-limite, dentro da história universal, no que à intensidade e à loucura do ódio político e ideológico moderno diz respeito, então Orwell merecia o título de cidadão honorário da Europa Central e de Leste. 1984 ainda é o exemplo espantoso e ainda não superado do poder de análise social e reflexão moral que a literatura pode ter. Animal Farm surge como a primeira sátira social a capturar a inadequação trágico-cómica entre a fase inicial da revolução, idealista e romântica, e as práticas totalitárias que se seguem, as quais, sendo muito mais do que distorções de uma teoria válida, decorrem inexoravelmente da natureza da revolução.

É no entanto o seu ensaio reflexivo “Notes on Nationalism” que nos dá pistas sobre a origem do fanatismo político e ideológico, muito mais do que as suas distopias notáveis. Não tendo encontrado uma palavra melhor para descrever este fenómeno inquietante do século XX, Orwell usa “nacionalismo”, que aqui quer claramente dizer algo diverso daquilo que os estudiosos do nacionalismo entendem, equipados com a sua sabedoria académica convencional.

Por “nacionalismo” quero referir, em primeiro lugar, ao hábito de pressupor que os seres humanos podem ser classificados como insectos, e que porções inteiras de milhões ou dezenas de milhão de pessoas podem ser tabeladas de “boas” ou “más” com toda a convicção. Em segundo lugar – e isto é mais importante – refiro o hábito de alguém se auto-identificar com uma nação ou outra unidade singular, colocando-a para além do bem e do mal, e não reconhecendo outro dever senão a defesa dos seus interesses. O nacionalismo não deve ser confundido com o patriotismo. Ambas as palavras são usadas de uma forma tão vaga, que qualquer definição pode ser questionada; no entanto, devemos estabelecer as diferenças entre as duas palavras, uma vez que estamos perante duas ideias diversas e mesmo opostas. Por “patriotismo”, entendo a devoção a um local e a um modo de vida particulares, que acreditamos ser o melhor do mundo, sem que isso nos leve a querer impô-lo a outros. O patriotismo é por natureza defensivo, tanto militar como culturalmente. O nacionalismo, pelo contrário, é inseparável do desejo pelo poder. O propósito regulador de cada nacionalista é conseguir mais poder e mais prestígio, não para si próprio, mas para a sua nação ou outra unidade na qual escolheu dissolver a sua individualidade.1

Na verdade, é fácil defender o nacionalismo da crítica devastadora de Orwell. Por exemplo, pode-se argumentar que o que ele descreve como a tendência para colocar o objecto da nossa devoção e afecto para além do bem e do mal, e para não reconhecer outro dever para além da defesa dos seus interesses, diz respeito a um nacionalismo radical conservador, e não a um nacionalismo liberal. Acresce que podemos defender o nacionalismo lembrando a miríade de formas nas quais se manifesta. O nacionalismo liberal, que era obviamente a primeira fase do nacionalismo na primeira metade do século XIX, pode ser visto como uma forma do próprio liberalismo. A concepção de Herder de cada cultura como uma espécie de indivíduo colectivo, único, auto-suficiente, afirmativo e insubstituível, não pode ser vista de outra forma que não como uma versão de liberalismo, alemã ou centro-europeia.

O nacionalismo liberal foi desde sempre, e ainda é, um quadro de interpretação e de regulação para o questionamento crítico da nossa própria cultura e sociedade, muito mais do que uma glorificação surda e cega da nossa cultura e história. Enquanto filosofia moral e social, o nacionalismo liberal estabeleceu uma tradição importante da cultura intelectual, cuja essência reside na crítica moderna da sociedade e da cultura. Para além disto, o liberalismo e o nacionalismo democrático sustentam a nossa sensibilidade intelectual moderna moralmente fundada. É irónico que, ao descartar o nacionalismo todo de forma tão ligeira, Orwell descarte aquilo que é a sua contribuição substancial para o mundo democrático moderno, justamente a luta contra o totalitarismo. No entanto, ele não vira este tipo de nacionalismo, cujos méritos na luta contra o totalitarismo viriam a marcar a história do século vinte da Europa central e de leste.2
Lamentavelmente, na segunda metade do século dezanove, o nacionalismo europeu tornou-se progressivamente defensivo, orientado para as massas, ideológico e doutrinário. Em parte, parece que isto se deveu ao impacto do Darwinismo Social, mas também devido a algumas reacções fortemente anti-modernistas, que capitalizaram na ideia da defesa da nação contra inimigos internos e externos. Em muitos casos o nacionalismo tornou-se primitivo e “zoológico”. No entanto, nem sempre assim foi. Na primeira metade do século dezanove a Europa estava cheia de nacionalistas liberais que defendiam as ideias da irmandade universal, companheirismo humano (fellowship), reciprocidade moral, empenho e compreensão solidária, e que acreditavam firmemente na luta pela independência e liberdade de cada país como uma causa comum. A época da primavera dos povos, bem como da filosofia da cultura generosa e nobre de Herder, é totalmente descontínua da variante do nacionalismo que podemos descrever como “sangue-e-território”. Se não fizermos confluir O Nacional-Socialismo – enquanto ideologia racista e plano para uma ordem mundial – com nacionalismo, então teremos de admitir que a tendência geral para atribuir todos os males do século vinte ao nacionalismo é, no mínimo, estranha. A ética do nacionalismo liberal foi instrumental para desacreditar e, consequentemente, desmantelar, o totalitarismo. Nos países comunistas, mesmo o nacionalismo conservador desempenhou um papel importante, ao defender formas fundamentais dos direitos e da dignidade humana como o direito de expressão, consciência e associação, bem como a liberdade para praticar a religião e a cultura próprias.

Isto não quer dizer, no entanto, que todas as formas de nacionalismo sejam compatíveis com os ideais da paz e da democracia. Uma espécie de para-ideologia, o nacionalismo mostrou-se adaptável a todas as principais ideologias modernas, nomeadamente o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo, o que faz com que o nacionalismo seja um fenómeno vago da política e da cultura modernas. Como o próprio Orwell admite, qualquer definição de nacionalismo está condenada a ser incompleta. Se é esse o caso, qualquer definição de nacionalismo pode ser contestada. Por princípio, o “nacionalismo” não pode funcionar como um termo abstracto e polissémico. Ao fazê-lo, retiramos qualquer sentido ao termo. Simplesmente não faz sentido desligar o nacionalismo do quadro ideológico dentro do qual surge e que define identidade, liberdade, tradição, poder, autoridade, virtude e outros fenómenos-chave da cultura e da política em cujo nome fala. Separar o nacionalismo do enquadramento político concreto dentro do qual funciona é um erro imperdoável. Numa democracia liberal o nacionalismo pode ser integrado na cultura moral liberal, e consequentemente adaptado a um quadro pluralista. É óbvio que não será sempre este o caso: mesmo numa democracia liberal, o nacionalismo pode ser ajustado, ou traduzido numa uma série de sentimentos racistas e xenófobos, reacções anti-modernas, ou sistemas anti-liberais de moralização, como a cultura do determinismo. Em regimes não democráticos, o nacionalismo pode ser traduzido em todo o tipo de retórica militante dominante, ou configuração simbólica de facciosismo político e ideológico. Como quadro de referência para a mística do sangue-e-território, pode ainda ser incorporado no padrão mais abrangente de ódio e paranóia promovidos pelos grupos-de-ódio motivados politica, religiosa ou ideologicamente, qualquer que seja o seu disfarce. Não faz sentido – e é injusto – tratar o nacionalismo sem definir o seu enquadramento ideológico e as suas circunstâncias políticas.

Com o patriotismo estas questões também não são transparentes. Se a faceta liberal do fenómeno implica a questionação crítica da sua própria sociedade e cultura, o patriotismo é, em muitos casos, uma espécie de adesão e identificação com um determinado país, o seu território, cultura, paisagem, língua e símbolos de poder. Este tipo de adesão e identificação é normalmente desprovido de uma abordagem crítica. Do princípio “o meu país, certo ou errado”, pode muito bem dizer-se que tem sempre sido a quintessência do patriotismo.3

Enquanto um nacionalista criticaria asperamente qualquer desvio àquilo que assume como a substância moral do seu objecto de devoção e empenho, uma patriota insistiria que nenhum facto ou evento poderia impedi-la de ser fiel ao seu país. Na percepção de um patriota, qualquer forma de governo ou de regime político é parte inalienável do seu país, e como tal deve ser apoiado. A lealdade é necessária, em oposição àqueles que criticam de forma demasiado dura, ou àqueles que não lhe querem bem, tanto no interior como no exterior. A linha que separa, por um lado, o patriotismo em pequena escala, tímido e apologético e, por outro lado, a adesão imperial e identificação com o território enquanto símbolo da coroa ou da história majestática, isto é, o , pode não ser assim tão evidente como Orwell imaginava. Ambos se apoiam num vago sentimento de território e numa ideia vaga da superioridade do seu país em relação ao resto do mundo. Ambos rejeitam a perspectiva crítica na abordagem do próprio país, que é percepcionado como um objecto de orgulho e de defesa contra os que lhe desejam mal, mais do que uma materialização de uma ligação entre a realidade social e a imaginação moral.

Por muito espantoso que possa parecer, Orwell parece ter aplicado a ética do nacionalismo liberal à sua crítica social e cultural, em vez de ter sido apenas um patriota inglês com sentido de justiça, que se opunha ao chauvinismo e ao imperialismo patriótico. A verdade é que ele se encontrou a descompasso com a essência reaccionária e banal do chauvinismo, justamente por causa do seu nacionalismo liberal. Tenho consciência de que estou a falar contra a corrente. A ideia de que Orwell era um nacionalista liberal pode ser vista como herética, se não mesmo característica da obsessão da Europa Central e de Leste com a sua história recente, ou como uma projecção das suas realidades no resto do mundo. De facto, o nacionalismo liberal, enquanto paradigma político e moral, tem muito pouco a ver – se é que tem a ver de todo – com a cultura política e intelectual britânica. Por outro lado, é difícil imaginar um quadro teórico mais inóspito para a cultura moral nacionalista do que a filosofia anglo-americana, permeada pelo nominalismo, bem como pela desconfiança pelo que toma como idiossincrasias continentais e teorias políticas delirantes. Este tipo de filosofia considera o nacionalismo como simplesmente mais um conceito nebuloso do holismo desacreditado. Passa-se ainda que os antigos poderes coloniais, como a Grã-Bretanha, a França, a Suiça ou a Rússia, têm uma tendência mais acentuada para o Landespatriotismus, a política paternalista, e para aquilo que entendem ser a sua missão civilizadora, em vez da importante dimensão ética de um internacionalismo genuíno, que está no centro do patriotismo liberal. Daí que seja inerente à política dos antigos impérios uma grande dose de provincianismo moral e insensibilidade em relação a países pequenos e às suas culturas. Temos boas razões para pensar que o nacionalismo liberal – que não é de todo inconciliável com o liberalismo céptico – teve uma origem provável nas realidades políticas e nas sensibilidades morais dos países da Europa de Leste e Central.

No entanto, a posição política e moral de Orwell seria mais fielmente descrita como nacionalismo liberal, o que o torna muito próximo e sensível às tragédias da Europa Central e de Leste. A ideia de que a posição de Orwell estava mais próxima do nacionalismo liberal do que de uma espécie de socialismo abstracto, ideológico e doutrinário, pode lançar nova luz sobre a sua hostilidade generalizada aos intelectuais doutrinários, crentes fiéis a ideologias, e fanáticos de todas as cores. Está aqui, e não noutro lugar, o segredo do fascínio quase mágico que Orwell exerce na sensibilidade moral e política da Europa Central e de Leste. De notar o facto que são justamente os nacionalistas liberais que tendem a ser os críticos mais acerbos da mística sinistra, do vocabulário bárbaro e da política feroz do nacionalismo de sangue-e-território. Lembremos os críticos do nacionalismo não-liberal Czeslaw Miloz, Adam Michnik, Milan Kundera, Vaclav Havel ou Thomas Venclova.4 Para ser um “nacionalista” não se tem de adoptar o nome.

No entanto, tanto o nacionalismo como os fenómenos dele derivados, como a memória colectiva, permaneceram uma categoria vaga nos textos de Orwell. Ele considerava o nacionalismo como apenas um outro nome para o provincianismo moral – no que estava cheio de razão, se considerarmos o nacionalismo radical e conservador. Ao escrever as suas “Notes on Nacionalism”, em 1945, Orwell só conseguia associar o nacionalismo com o velho sentimento imperial, isto é, o chauvinismo, slogans ideológicos transferidos ou sentimentos sectários, e também com algumas reacções anti-modernistas, que descreveu de forma tão exacta. Daí a sua oposição ao nacionalismo enquanto fenómeno sui generis, e daí também a tentação em atribuir ao termo uma conotação exclusivamente pejorativa. Ao atribuir ao nacionalismo quase todas as manifestações de estereotipização de grupos, clivagens políticas, divisões sociais e ideológicas, e mesmo chauvinismo e racismo, Orwell correu o risco de perder de vista não apenas o quadro de referência, mas o próprio alvo da sua crítica.

Sendo brilhante e perspicaz na sua acutilante e provocadora análise do que chamou “nacionalismo transferido”, isto é, essas formas transferidas e transpostas de ideologias excludentes como o Comunismo, o Catolicismo político, os sentimentos de classe e de raça, Orwell falhou na sua apreciação do nacionalismo enquanto crítica social. O problema com o seu conceito de nacionalismo é que começa por significar tudo e, no fundo, nada. Embora, como sugere Timothy Garton Ash, Orwell mereça candidatar-se ao título de cidadão honorário da Europa Central e de Leste,5 torna-se necessária aqui uma observação. Quando descreve o totalitarismo ou lamenta a miopia e a ingenuidade dos intelectuais do Ocidente na sua atitude em relação à parte mais “progressista” do mundo, Orwell atinge justamente o cume da sensibilidade moral e intelectual da Europa Central. No entanto, sobre o nacionalismo, ele escreve como um dissidente tresmalhado, um enfant terrible do socialismo Britânico, que deliberadamente transforma o termo num instrumento de crítica dirigido às realidades políticas britânicas e europeias de antes e do pós-guerra.

Podemos argumentar, no entanto, que Orwell quer dizer algo bem diferente quando fala de nacionalismo. Tivesse ele falado do assunto da forma como a entendemos hoje, seria fácil rejeitar o seu ensaio como escrita superficial, incapaz de ir à raiz do problema. A questão é que Orwell não tocou no cerne daquilo a podemos chamar um confronto dramático de lealdades e valores antagónicos. Com um golpe de génio descreveu aquilo que tomamos como confrontos intrínsecos, que acontecem no interior da imaginação moral perturbada. Para ele, “nacionalismo” era simplesmente uma palavra-código para um fenómeno bem mais complexo e inquietante. Independentemente do termo usado, Orwell deu-nos uma pista valiosa para a compreensão da origem do fanatismo ideológico e político modernos enquanto forma de ódio. Apesar dos movimentos de massas e da sua permutabilidade, a política doutrinária e demagógica e as ideologias excludentes, pareçam termos mais rigorosos para descrever o alvo da crítica devastadora de Orwell, os seus conceitos de nacionalismo transposto e transferido proporcionam uma perspectiva útil na abordagem do fanatismo moderno. Permitem ver de uma nova forma a imaginação moral moderna como um campo de batalha para conceitos, valores, ideias, posições e objectos de adoração em conflito. Simultaneamente, destacam as incertezas e ambiguidades modernas como fontes do fanatismo. Sobre o nacionalismo transferido e transferível, escreve Orwell:

A intensidade com que são mantidas não impede que as lealdades nacionalistas não sejam transferidas…. Podem ser, e frequentemente são, fixadas num país estrangeiro. Muito frequentemente encontram-se grandes líderes nacionais ou fundadores de movimentos nacionalistas que nem pertencem ao país que glorificaram. Por vezes são inequivocamente estrangeiros ou, com mais frequência, são provenientes de áreas periféricas nas quais a nacionalidade é dúbia. Exemplos disto são Estaline, Hitler, Napoleão, de Valera, Disraeli, Poincaré e Beaverbrook. O movimento pan-germânico foi em parte criação de um inglês, Houston Chamberlain. Nos últimos cento e cinquenta anos o nacionalismo transferido tem sido um fenómeno comum entre os intelectuais. Com Lafcadio Hearne a transferência foi para o Japão, com Carlyle e muitos outros do seu tempo, a Alemanha, e no nosso tempo é frequentemente a Rússia. 6

A conclusão implícita é que o nacionalismo transferido resulta da incerteza sobre a própria identidade primária e sobre o objecto de vínculo. Precisamos de identidade e de um objecto de lealdade ou vínculo. Se somos privados deles, ou se não estamos em paz com aquilo com que os outros apaixonadamente se identificam, estamos inexoravelmente condenados a fabricar substitutos. Ao fazê-lo, corremos o risco de improvisar perigosamente ou de, simplesmente, fabricar uma identidade, sem um ponto de referência na realidade mundana, o que abre a porta ao reino da imaginação inquieta. Se não estamos enraizados na realidade deste mundo, no sentido de sermos indivíduos autónomos e de termos uma identidade sólida, resistente, e imutável, procuraremos um substituto para preencher essa lacuna. Se acontece não termos uma ligação ao nosso país, ou apreciarmos pouco a nossa cultura, ocorrerá uma espécie de deslocação de vínculo e lealdade.

O paradoxo do nacionalismo, enquanto sistema de pensamento e de acção capaz de sustentar as sensibilidades moral e intelectualmente enraizadas, reside no facto de tanto o seu excesso como a sua ausência poderem levar ao desastre. Enquanto que um excesso de nacionalismo conduz a um provincianismo moral e uma total insensibilidade para com aqueles que não nos pertencem, a sua ausência resulta numa desvinculação de todos os idiomas reconhecidos e terra-a-terra de vínculo e lealdade humanas. Se funcionar dentro de um quadro liberal e democrático, o nacionalismo impede o fanatismo político e ideológico, para não falar da miríade de formas falsas de pertença, lealdade, memória e sentimentos colectivos. Afinal, o vínculo à nossa cultura, língua e terra, está entre as necessidades humanas básicas. Se perdemos o objecto primário do amor e vínculo, ou se formos dele privados, a nossa lealdade será transferida. Encontraremos um novo objecto algures. Pode ser um outro país com o qual construiremos uma alternativa, real ou imaginária – um programa político revolucionário uma religião dissidente, uma civilização rival ou um sistema de valores e ideias opostos. Como sublinha Orwell:

Quando se verifica as tolices hiperbólicas e servis que se escrevem sobre Estaline, o Exército Vermelho etc., por pessoas inteligentes e razoavelmente sensíveis, compreende-se que isto só é possível porque ocorreu uma espécie de deslocação. Em sociedades como a nossa, é raro encontrar alguém identificado como intelectual que professe um vínculo profundo ao seu país. A opinião pública – quero dizer, o sector da opinião pública do qual o intelectual está consciente – não lhe permite isso. A maior parte das pessoas que o rodeiam são cépticas e indiferentes, e o intelectual pode adoptar essa atitude por imitação ou por simples cobardia: nesse caso, terá abandonado a forma de nacionalismo mais óbvia, sem que tenha ficado mais perto de um internacionalismo genuíno. Sente ainda a necessidade da Pátria, e é natural que o procure em algum lugar fora do país. (p. 164)

Não admira que o nacionalismo transferido seja possível justamente por causa da intensidade e instabilidade das lealdades nacionalistas mencionadas acima. Segundo Orwell, a única coisa que permanece constante no nacionalista é o seu estado de espírito. O objecto dos seus sentimentos é instável, e pode ser imaginado. Acontece ainda que este tipo de fervor ideológico – como diria Orwell, um nacionalismo – pode ser transposto ou invertido. Assim, antigos admiradores dos Estados Unidos da América podem transformar-se nos maiores críticos ou cépticos desse país, reservando o seu amor e admiração para o seu adversário recentemente descoberto, se não mesmo uma civilização rival, como a Rússia. Isto aconteceu, por exemplo, com H. G. Wells, que passou de americanófilo a americanófobo e russófilo. É um facto que um certo número de membros do partido nazi foram recrutados do Partido Comunista Alemão quando os nazis chegaram ao poder, e que os comunistas eram vistos pelos nazis como um mal menor em comparação com os social-democratas. Isto foi subtilmente interpretado por Eric Hoffer, que também colocou uma ênfase forte naquilo a que chamou a “permutabilidade dos movimentos de massas” – basicamente, trata-se do mesmo fenómeno a que Orwell chamou o nacionalismo transferido. Hoffer mostrou, preto no branco, como alguns judeus russos ou europeus do centro e de leste facilmente passaram do comunismo ao zionismo – e o inverso – ou como o comunismo e o nacional-socialismo eram complementares.7

Se as pessoas negarem a sua identidade cultural e linguística, necessitam forjar uma nova identidade. Se sentirem que perderam ou que ainda não encontraram a sua pátria, procurarão uma outra pátria num outro lugar. Se abandonam uma pátria terrena, estão condenadas a fabricar uma ideologia que a substitua. Basta lembrar uma pista significativa que Marx deixa escapar acerca do proletariado, o qual, por definição, não tem pátria. O principio guia e salvador do proletário, vem de uma realidade alheia a este mundo, uma vez que ele ou ela representam uma classe que se situa para além da pátria, sem vínculo aos valores e tradições burgueses e deste mundo. Este tipo de “ausência de lugar” ontológico sem abrigo cultural, e desenraizamento histórico, conduz logicamente à afirmação de que eles não têm nada a perder neste mundo. Em vez disso, têm o Comunismo, que é a sua pátria. Na verdade, podemos sugerir que isto é, em larga medida, uma forma travestida do cristianismo primitivo, com a sua ideia do populus christianus, isto é, o povo de Cristo, ou uma comunidade espiritual de indivíduos que adquirem esse estatuto na medida em que se encontram em Cristo. Isto é exactamente o que acontece às pessoas em cujas almas e consciências acontece uma espécie de deslocação de identidade, vínculo e lealdade. Uma ideologia pode tornar-se uma Pátria espiritual para aqueles que ficaram privados de um vínculo seguro a um idioma deste mundo, e de um sentimento de existência segura numa comunidade de memória colectiva, sentimento partilhado e participação simbólica.

Isto não quer dizer, no entanto, que devamos todos ser classificados como moscas, abelhas ou formigas, ou que devamos todos ser associados e vinculados de uma forma irrevogável a uma única cultura e comunidade. A modernidade não nega nem a identidade individual nem a identidade colectiva. Uma diferença substancial entre as condições pré-modernas e as condições modernas é que a identidade se transforma de uma forma de imposição numa forma de escolha e de realização. Para além disto, a modernidade tenta libertar-nos da nossa identidade herdada, que é uma das maiores e mais centrais promessas do admirável mundo novo, ainda que não realizada. Como Zygmunt Bauman nota:

O projecto moderno prometeu libertar o indivíduo da identidade herdada. No entanto, não tomou posição contra a identidade em si, ou contra ter uma identidade sólida, imutável e resistente. Apenas transformou a identidade de uma questão de imposição em uma questão de realização, transformando-a assim numa tarefa individual e de responsabilidade individual.8

Simultaneamente, o indivíduo pode combinar identidades múltiplas, abertas e comunicantes. Podemos participar em diversas culturas e trajectórias de consciência, pensando-as como complementares em relação umas às outras, e questionando criticamente o nosso objecto primário de lealdade e cultura. Isto ajuda a compreender o que tem sido suprimido na nossa cultura e está mais desenvolvido noutras. Uma presunção de incompletude humana, e da natureza dialogante da consciência e auto-conhecimento humanos, o princípio das identidades e culturas em polígono, parece ser a realização mais notável da condição moderna. Alguns estudiosos sublinharam a importância crucial de fenómenos como o nacionalismo pósmoderno, o qual “permitiria e reconheceria a qualidade humana de abertura e a característica cultural da translucidez” – uma espécie de empenhamento à la Milosz para com a nossa nação, permeável à responsabilidade para com os outros e a um sentido de identidades múltiplas e comunicantes.9 Neste ponto temos de concordar com Orwell: não faz sentido classificar seres humanos como aos insectos, nem generalizar nações inteiras como sendo intrinsecamente boas ou más. Pérolas da sabedoria convencional, tal como a tendência para descrever o espanhol como um aristocrata natural, o britânico como hipócrita, ou o alemão como traiçoeiro, Orwel classificou como sendo do mesmo tipo de divórcio entre a lealdade e julgamento moral – um sintoma da consciência moderna, que ele descreveu como nacionalismo. Como temos testemunhado, a tendência sinistra para fazer equivaler uma modernidade odiada exclusivamente com “os judeus” ou com “a América” – que é provavelmente uma das loucuras mais sinistras e perigosas da imaginação moderna perturbada – pode conduzir a consequências mais trágicas do que a simples construção de estereótipos ou o difundir clichés gastos. Podemos sugerir, no entanto, que numa era de intenso ódio colectivo nada é inocente, e que tudo começa em cartoons políticos ou em falsificações literárias, e acaba por matar pessoas.

Orwell parece, no entanto, ter esquecido o facto de que os estereótipos nacionais podem ter muito pouco a ver com o ódio. Pelo contrário, surgem como mecanismos de defesa contra a incerteza geral da modernidade, que é causada, entre outras coisas, pela descoberta chocante de tantos modos de ver e de pensar até aqui desconhecidos, todos situados em sociedades e culturas diferentes da nossa. É possível que o estereótipo tenha origem numa espécie de categorização do mundo reconfortante e segura, ainda que simples e ingénua. Nalgumas circunstâncias pode causar mal, mas na maior parte dos casos não o faz. Na verdade, a construção de estereótipos é mais um impulso espontâneo para simplificar e compreender aquilo que parece, à primeira vista, como ameaçador, inseguro e desconhecido, um mundo de pensamento e acção humanas diverso. Se assim é, pode não ter nada a ver com a mencionada fractura entre a identidade (ou lealdade) e o julgamento moral. Como observa Leszek Kolakowski:

É um facto muito poucas vezes observado que grande parte do nosso universo mental – as nossas imagens do mundo e de outras pessoas, as nossas reacções a elas – é feito e produzido por estereótipos. Por “estereótipos” quero dizer essas generalizações espontâneas e quase-empíricas que, uma vez estabelecidas na nossa consciência, são praticamente impossíveis de desalojar à luz da experiência subsequente. Esta é uma combinação natural, e no seu todo, benéfica: estereótipos – de coisas e pessoas, nações e lugares – são indispensáveis à nossa segurança mental. É por isto que, independentemente de serem plausíveis, apenas meias-verdades ou mesmo falsos, os estereótipos tendem a sobreviver ao desmentido pela experiência – a não ser que os seus efeitos sejam maléficos de forma óbvia. Se são inócuos nos seus efeitos práticos, persistirão, apesar dos exemplos em contrário fornecidos pela experiência, porque nos sentimos mais seguros com eles do que sem eles: abdicar deles obrigaria a uma vigilância constante e à condenação a um estado de incerteza e confusão mental.10

No entanto, a cisão entre a identidade/lealdade e o julgamento moral sólido é também um traço da imaginação moral moderna. A modernidade separou facto/verdade de valor, utilidade de intimidade humana, inovação de tradição, indivíduo de sociedade. Tendo dito isto, o mencionado abismo entre a necessidade de um objecto de lealdade/pertença e a incapacidade para questionar critica e apaixonadamente esse objecto é derivada da cadeia dessas tendências dicotómicas e penosamente fracturantes que ameaçam a integridade moral e a reflexão do indivíduo moderno. O abismo entre facto e valor pode ser observado naquilo que Orwell descreve como a nossa relutância em ver e admitir simples factos. Na consciência de um verdadeiro crente moderno, uma crença fanática num conjunto de valores e ideias é sustentada por uma recusa categórica em admitir a existência de um outro conjunto de valores e ideias. Para além disso, uma crença fervorosa numa ideia abstracta e distante é acompanhada por uma descrença igualmente ardente na realidade. A negação dos factos em favor de um fenómeno até agora não visto, não examinado, nem questionado criticamente, que era, e continua a ser, uma das características integrantes da consciência de um fanático político e ideológico, revela um conflito entre conjuntos de valores e ideias, ou sistemas de pensamento e acção mutuamente excludentes, muito mais do que uma simples patologia social.

Na era dos movimentos de massas e de mudanças sócias dramáticas, a recusa notável em confiar na evidência dos sentidos e da razão talvez seja uma pista para a solução do mistério do fanatismo. Como Hoffer formulou:

Confiar na evidência dos sentidos e da razão é heresia e traição. É espantoso verificar quanta descrença é necessária para tornar possível a crença. Aquilo que conhecemos como a fé cega é sustentado por inúmeras descrenças. No Brasil, fanáticos japoneses recusaram durante anos a evidência da derrota japonesa. O comunista fanático recusa acreditar num relatório ou evidências desfavoráveis sobre a Rússia, e não ficará desiludido se assistir com os seus próprios olhos à miséria cruel no interior da terra prometida soviética.11

A recusa em aceitar evidência empírica – de alguma maneira, algo muito semelhante à forma selectiva e arbitrária como funciona a memória histórica dos nacionalistas conservadores e radicais – é uma recusa da realidade em favor da imaginação. A realidade incapaz de sustentar as nossas crenças ou apoiar as nossas convicções ideológicas não tem valor. Uma atitude destas exige uma supressão mais ou menos consciente das nossas sensibilidades morais e intelectuais. De outra forma, as incertezas e tensões dentro de nós atingiriam um ponto demasiado alto para permanecer firmes e empenhadas na causa sagrada. Esta espécie de bloqueio mental e supressão da sensibilidade e do senso comum em favor da ideologia que, de forma alguma, deixa de acontecer até em pessoas inteligentes, protege-as de contradições interiores insuportáveis e de conflitos explosivos com a razão sólida e a consciência, que poderiam ocorrer a qualquer momento. Porque, numa era de confronto entre as ideologias mutuamente exclusivas, militantes e rígidas – ou outros padrões simbólicos de ódio e exclusão -, a razão sólida e a sensibilidade moral já não são recompensadas. Pelo contrário: tornaram-se um risco.
Isto permite ver de uma forma mais clara o que Orwell representa como a capacidade surpreendente para manter, em simultâneo, duas crenças contraditórias ou duas atitudes inconciliáveis. O derramamento de sangue e a violência são veementemente recusados, mas apenas se ocorrerem no campo do adversário. A violência deixa de ser violência uma vez praticada pelo lado “justo”; e assim também a matança em massa de gente pacífica, se ocorre naquilo que se imagina ser um país “progressivo”. Isto não é um estereótipo simples, que nos permite chamar os nossos adversários de fanáticos obstinados e homicidas, reservando o epíteto de patriotas e heróis para aqueles que estão do nosso lado. Isto é, muito mais, um bloqueio mental e ideológico das nossas qualidades humanas que são vitais para as ligações e interacções humanas, como a abertura empática, a compreensão simpática, ou a simples compaixão. Estas qualidades são suprimidas no que diz respeito a “eles”, isto é, os nossos adversários ideológicos e inimigos políticos, reais ou imaginados. São prontamente libertadas quando se trata de simpatizar com a angústia e a dor humanas experimentadas por “nós”, isto é, no campo dos justos.

Não deixa de ser interessante que Orwell sugira que até os movimentos pacifistas estarão contaminados por uma tendência para transferir a lealdade e improvisar a identidade, de forma a disfarçar a verdadeira atitude de alguns pacifistas perante a realidade social. Por muito espantoso que possa parecer, a verdadeira atitude de alguns pacifistas não passa de uma secreta adoração pela força bruta e pela violência bem sucedida. Isto permite-lhes condenar instantaneamente qualquer vítima de guerra causada pelos Estados Unidos e pela Inglaterra noutros países, sem mencionar um único crime contra a humanidade cometido pela Rússia ou pela China. Uma pequena minoria dos aderentes a esta ideologia pouco consistente consiste em pacifistas intelectuais exclusivamente motivados pelo ódio à democracia ocidental e por uma admiração secreta pelo totalitarismo. O que quer dizer que uma parte do pacifismo não será outra coisa senão um profundo desprezo e um ódio intenso pela democracia liberal ocidental, sob o disfarce de uma preocupação pela paz e pela vida humana. No fundo do coração, os pacifistas intelectuais deste tipo desprezam a consciência legalista ocidental, a democracia, as instituições políticas e a vida prosaica, como sendo supostamente incapazes de inspirar a imaginação, e faltando-lhes algo de excitante, romântico e aventureiro. Daí a ideia de que a força política, se exercida pela democracia liberal, não pode ser eficiente por princípio. Seja o que for que aconteça numa democracia liberal em termos de vitórias políticas ou de demonstração do seu poderio militar, é para benefício do poder estabelecido, ou da burguesia, ou do capitalismo. Simultaneamente, a violência praticada por uma ideologia ou civilização rivais, como o Comunismo, é eficiente, uma vez que o seu propósito é viabilizar uma alternativa à muito odiada democracia ocidental.

É interessante notar que Orwell não está sozinho no seu cepticismo sobre o pacifismo e outros movimentos sociais vagos numa era de políticas ferozmente ideológicas e violentas. Mostrando as origens e a ascensão do Nacional-Socialismo, Raymond Aron avaliou aquilo que classificou como “os elementos de uma quinta coluna alemã” da seguinte forma:

A quinta coluna é um elemento típico da era dos impérios. É principalmente recrutada entre três tipos de homens: pacifistas, revoltados pelos custos materiais e morais da guerra total, os quais, no fundo do coração, preferem o triunfo de um império à soberania independente dos estados bélicos; derrotistas, que desesperam do seu próprio país; e ideólogos, que colocam a sua fé política acima do patriotismo e se submetem ao César cujo regime e ideologia admiram.12

No entanto, não deve ser nunca esquecido que este tipo de ideologias globais, abarcantes e exclusivas, como o Nacional-Socialismo e o Comunismo, funcionam como religiões seculares. Para além disto, ideocracias seculares foram capazes de se manifestarem como um Exército e como uma Igreja. Quer isto dizer que foram capazes de recrutar os seus aderentes em quase todas as áreas e em todos os sectores da sociedade – desde intelectuais desiludidos, que ainda sentem uma necessidade forte de sistemas de valores e ideias sólidos, a pessoas comuns, convencidas por teorias apocalípticas modernas que prometem o início de uma nova história.13 Ao mesmo tempo, não faz sentido generalizar os modernos movimentos pacifistas representando-os a todos como motivados pelo ódio às democracias ocidentais, acompanhado pela admiração secreta pelos adversários políticos e ideológicos dessas democracias, ou pela adoração latente da força e da violência política. O que Orwell conseguiu, com um golpe de génio, foi colocar a ênfase nos vínculos espontâneos e improvisados, lealdades transferidas e identidades fabricadas, todos concebidos como parte de uma lógica de ódio oculta. À crítica de Orwell às fabricações ideológicas subjaz a ideia de que o ódio poucas vezes é simples e evidente; em vez disso, prefere andar disfarçado. O que resulta deste tipo de lógica oculta e metafísica do ódio, é que o ódio tende a mascarar-se como amor e compaixão – amor pela paz e pela humanidade, compaixão pelos mais fracos, desfavorecidos, oprimidos e excluídos.

Uma outra lição importante que podemos aprender com o Orwell de “Notes on Nationalism” é que os intelectuais desiludidos, isolados e alienados, tendem a sucumbir às identidades transferidas e deslocadas com maior frequência e facilidade do que as pessoas comuns. Na era dos movimentos de massas, o pensamento crítico independente e céptico já não é recompensado; pelo contrário, transforma-se num risco. Uma vez que os intelectuais, por andarem de candeias às avessas com as ligações terrenas mundanas, são capazes de traduzir as suas necessidades de raízes e pátria em fidelidades ideológicas e políticas a comunidades imaginadas de virtude, acabam por perder a capacidade para estar em sintonia com o senso comum. O senso comum é uma qualidade valiosa das pessoas comuns, as quais, justamente devido ao seu cepticismo natural em relação às coisas desligadas da realidade mundana, são muito mais imunes ao fanatismo e ao ódio. Daí a ironia impiedosa de Orwell na sua observação cáustica dos intelectuais britânicos que afirmaram de forma categórica que as tropas americanas tinham vindo para a Europa não para lutar contra a Alemanha, mas para esmagar a revolução inglesa, e que acreditavam piamente ter sido esta a verdadeira causa. Orwell conclui que apenas aqueles que pertencem à intelligentsia são capazes de acreditar em coisas deste tipo. Na perspectiva dele, nenhuma pessoa comum poderia ser tolo a este ponto (p. 178). A desconfiança de Orwell em relação aos intelectuais atinge o seu cume, como veremos, em 1984, na personagem de O’Brien, um técnico mental sinistro, situado para além do bem e do mal, o maior especialista em lavagem ao cérebro e doutrinação da Oceânia, e o equivalente moderno do Grande Inquisidor.

Este tipo de moralidade inconsistente e flexível acontece a par com os mencionados bloqueios ideológicos. Uma vez que o nosso empenhamento ideológico pode ser posto em perigo pelo facto de outros seres humanos de carne e osso sofrerem massacres, torturas e outras calamidades, a única atitude possível que pode impedir-nos de infligir dor e sofrimento noutros seres humanos, é negar o facto da existência desse sofrimento. Esta recusa em acreditar nos factos politicamente inconvenientes ou nocivos pode ser bem combinada como uma propensão para negar aos nossos inimigos os traços humanos. Este mecanismo de auto-defesa, ou melhor, de cegueira moral auto-infligida, revela a natureza defensiva e compensatória do ódio: o ódio parece uma consequência do auto-desprezo e de um sentido de culpa recalcado. O mesmo podia ser dito acerca da raiva, que é uma consequência inevitável de um sentimento de vergonha recalcado.14 À luz disto, torna-se mais ou menos compreensível a razão pela qual até académicos altamente qualificados e intelectuais sofisticados são capazes de negar o Holocausto. Também torna-se mais clara a razão pela qual o anti-semitismo é tão intenso e forte nos países da Europa Central e de Leste, onde já não existem judeus e, no entanto, onde o Holocausto aconteceu em conjunção com um apoio forte dos governos locais e mesmo com a participação activa da população local.15

Orwell conta uma história elucidativa sobre como o liberal News Chronicle publicou fotografias de russos enforcados pelos alemães como exemplo de barbárie chocante. Alguns anos mais tarde, publicou também, com recepção calorosa, quase exactamente as mesmas fotografias: a única diferença foi que, dessa vez, se tratavam de alemães enforcados pelos russos. Num outro exemplo, o Star publicou fotos de mulheres colaboracionistas quase nuas a serem espancadas pela turba parisiense. Orwell estava profundamente perturbado pela semelhança incrível entre essas fotos e as fotos Nazis de judeus a serem espancados pela turba berlinense. Quer isto dizer que aquilo que é, inicialmente, visto como exemplo de barbárie chocante, se transforma milagrosamente em algo virtuoso, apenas porque praticado em nome da causa justa.

A história, enquanto registo de feitos heróicos, é fabricada de forma muito semelhante. Os intelectuais modernos falam da Inquisição, de Sir Francis Drake a esfolar vivos prisioneiros espanhóis, do Reino do Terror, dos heróis do Motim a disparar indianos dos canhões, dos soldados de Cromwell a retalhar as caras de camponesas irlandesas à navalha, sem que dêem muita atenção às atrocidades cometidas na Rússia, China, Espanha, México ou Hungria (pp. 165-166). Uma percepção selectiva da história e da política relaciona-se não apenas com a tendência disseminada para usar uma bitola dupla ao lidar com o “nosso” papel ou com o papel “deles” na história, mas também com uma incrível capacidade para decidir se alguns eventos históricos aconteceram ou não, assentando essa decisão exclusivamente na simpatia política. Desta forma, a história transforma-se num jogo irresponsável de um agente social faccioso, que vê nela aquilo que quer ver, e que constrói, na imaginação, monumentos à sua comunidade imaginada de verdade e virtude.

No entanto, a questão permanece: qual a origem do fanatismo? Orwell, tal como outros escritores argutos, sugeriu que a incerteza generalizada e o fracasso em compreender o que está realmente a acontecer no mundo, é um convite tentador aos indivíduos modernos mais confusos, assustados ou frustrados, para se agarrarem a crenças lunáticas. O facto, geralmente reconhecido pelos filósofos sociais e pelos sociólogos actuais, é que a modernidade destruiu as velhas certezas sem que tenha oferecido novos padrões de identidade funcionais, normativos, prescritivos e imperativos. Para criar um destes padrões identitários para cada um de nós, sem a ajuda de uma fonte evidente e de confiança – como uma tradição cultural sólida ou uma fé duradoira e imune à mudança – parece terrivelmente difícil, se não mesmo impossível, para aqueles que não se sentem confortáveis num mundo de auto-construção e auto-descoberta. Daí a necessidade desesperada para crenças, teorias e práticas que prometem combater a incerteza e ressuscitar os símbolos negligenciados e os valores esquecidos. O ódio chega a esta alma perturbada como uma promessa da restauração da certeza. O mundo moderno, demasiado complexo e ameaçador para perceber que tipo de valores têm de ser tomados a sério e que as ideias devem ser credíveis, de repente transforma-se em algo claro e transparente. A imagem de um inimigo restaura a nossa fé em nós próprios como seres capazes de apoiar a causa justa e santa, a causa dos justos e virtuosos contra os pérfidos, degenerados e incompreensíveis. Um inimigo é aquilo que podemos colocar para além do nosso alcance e compreensão junto com aquilo que é incerto dentro de nós. Neste ponto, o ódio vem do menosprezo e ódio a nós próprios. Os nossos inimigos são apenas aquilo que odiamos em nós próprios e que exteriorizamos, projectado no idioma simultaneamente familiar e incompreensível da alteridade. Como nota Hoffer:

Serão os frustrados mais facilmente catequizados do que os não o são? Serão mais crédulos? Pascal pensava que “estamos mais abertos para compreender a escrita sagrada quando nos odiamos a nós próprios.” Há aparentemente uma ligação entre a insatisfação consigo próprio e uma propensão para a credulidade. A ânsia para escapar de si próprio é também a ânsia para escapar ao racional e ao óbvio. A recusa em vermo-nos como somos desenvolve uma aversão aos factos e à lógica fria.16

A nossa predisposição para dissolver a nossa identidade em misteriosos corpos de ideias ou no “espírito do povo” pode ser amplamente relacionada com as nossas insatisfações, desenganos, fracassos pessoais, ou com a alienação geral da sociedade e cultura modernas. No entanto, a interrogação permanece: como podem as pessoas transpor ou inverter atitudes e crenças com tanta facilidade? Por exemplo, como é possível que um partidário ardente da Grã-Bretanha de repente resvale para a anglofobia (ou o inverso)? Por quê, e como pode um intelectual, aparentemente ponderado e céptico, transformar-se num apoiante ardente de outros países, culturas, religiões e instituições políticas? Segundo Orwell, os escritores britânicos que mais exemplarmente mostram esta capacidade de auto-transformação de anglófobos em algo violentamente pró-Britânico foram F. A. Voigt, Malcolm Muggeridge, Evelyn Waugh, Hugh Kingsmill e, até certo ponto, T.S.Eliot e Wyndham Lewis (p.169). O intelectual que se revelou capaz de suprimir a sua sensibilidade democrática em favor de uma visão do mundo oposta foi G. K. Chesterton, que Orwell descreveu como um escritor de talento considerável que escolheu suprimir a sua sensibilidade e honestidade intelectual em nome da propaganda Católica. Isto levou-o ao ponto de glorificar todos os aspectos da vida numa França grandemente idealizada – se não totalmente imaginada – ou a admirar a Itália de Mussolini – uma variante da lealdade transferida, que Orwell descreve como Catolicismo político. Um detractor autêntico do chauvinismo e do imperialismo, e um verdadeiro partidário da democracia e da política interna, Chesterton não foi capaz de dizer uma palavra contra o colonialismo, ou contra o imperialismo e a conquista dos povos negros praticada pelos italianos e pelos franceses. Nem nunca mencionou o facto de Mussolini ter simplesmente destruído a liberdade e a democracia na Itália. (pp 160-161).

O caso de Chesterton é particularmente elucidativo para reflectirmos sobre as lealdades transferidas e as identidades fabricadas como uma das características básicas da imaginação moderna perturbada. A imaginação moral moderna/perturbada parece ser incapaz de conciliar grupos opostos de ideias e valores, e também incapaz de produzir uma visão do mundo universalizante que seja eficaz. Parece extremamente difícil, se não impossível, ser simultaneamente um liberal em política e um conservador em religião. Como conciliar ser-se um patriota britânico dedicado e um católico devoto? Como ser um nacionalista centro-europeu e também um cosmopolita céptico e liberal? Como combinar fidelidade com dúvida, valor com verdade, imaginação com realidade? A religião organizada parece incapaz de oferecer uma saída, uma vez que a própria religião é cada vez mais frequentemente explorada politicamente ou abusada de outras formas pelos bárbaros modernos. No mundo moderno, na melhor das hipóteses, torna-se politicamente neutra, se não mesmo marginal.

Temos de admitir que o universalismo ético, ou o humanismo secular, está também longe de ser uma resposta universal atraente. Antes do mais, em tempos turbulentos ou em épocas de confrontos ideológicos o universalismo ético, uma forma tão poderosa de crítica social e cultural, é colocado em risco ou simplesmente arredado. Dentro do enquadramento da imaginação moral moderna perturbada, nada é duradoiro e nada é permanente. Para o indivíduo moderno fraco e perturbado, o universalismo ético pode parecer um desafio demasiado grande e uma desilusão demasiado grande, porque não oferece fórmulas estáveis de pensamento e acção, nem um caminho de saída para um mundo de tensões, ambiguidades e incertezas insuportáveis. Em vez disso, considera cada indivíduo como sendo, em última instância, o único agente de razão e consciência capaz de escolhas morais. Infelizmente, isto parece ser uma base demasiado frágil para a acção decisiva e também para uma identidade funcional, étnica, política, ou cultural (que podem ser permutáveis, como já vimos).

Provavelmente uma sociedade ou uma cultura em crise revela-se de uma forma inevitável através da consciência individual em crise. Uma dessas manifestações de crise é o que Vytautas Kavolis chama “a pessoa ambígua”. Kavolis observa que muitos seres humanos revelam frequentemente perante si próprios a sua ambiguidade psíquica, embora se tornem absolutamente claros e inequívocos ao formar, ou a influenciar, comportamentos e atitudes de terceiros. Na opinião de Kavolis, o indivíduo ambíguo deseja particularmente experiências intensas: esta espécie de busca da intensidade, que é identificável e analisável psicanaliticamente, põe em perigo não apenas a personalidade do próprio, mas toda a consciência moderna e a também a cultura. Segundo Kavolis:

Onde vença a busca da intensidade, frequentemente predomina o estilo autoritário no pensamento e na decisão, mesmo quando os conteúdos conscientes do pensamento são libertários – vejamos, por exemplo, Marcuse, ou The Living Theatre. Os “caçadores” de intensidade tendem a pensar normalmente em binómios, contrastando “verdade” com “erro”, ou “virtude” com “maldade”, em lugar de procurar elos ou nuances perdidas. Essas nuances representam justamente a ambiguidade psíquica da personalidade deles, a qual consideram insuportável e tentam reprimir com momentos de intensidade arbitrários, ainda que “reais”. É por isto que eles, mesmo quando exigem a liberdade de escolha, esperam que outros escolham os caminhos a seguir para serem livres, ou mesmo as suas formas de conceber a liberdade. As exigências dogmáticas ao mundo têm origem na ambiguidade da sua personalidade. Os termos vigorosos protegem-nos da decomposição interior. (Os psicanalistas identificaram este mecanismo nos revolucionários russos mais românticos, do início da revolução.) O dogmatismo é a estabilização mecânica do indivíduo ambíguo, muito mais do que orgânica, e tem origem no fundo da sua personalidade. (No entanto, este tipo de armadura protectora, muito fundo no interior da pessoa ambígua, mais cedo ou mais tarde é destruída e destrói a pessoa ambígua ou outras.)17

Uma das ilações possíveis do pensamento de Kavolis é que o indivíduo ambíguo, sendo incapaz de compreensão analítica e de questionamento crítico de si próprio, acaba por representar de forma incorrecta a própria realidade social, projectando nela os elementos dolorosos da sua própria personalidade e experiência, demasiado penosos para compreender ou eliminar de si próprio (seria uma espécie de dogmatismo que resultaria da dissonância cognitiva). Assim, se “as exigências dogmáticas do mundo resultam de uma ambiguidade interna da personalidade”, o próprio dogmatismo é uma ilusão do pensamento claro e transparente.

A busca da intensidade no nosso meio revela uma incapacidade para a auto-análise crítica ou para a análise da realidade humana tal como é – antes do encantamento com uma magia ideológica, fórmulas ideocráticas, experiências físicas e psíquicas e coisas do género. O indivíduo dogmático/ambíguo é totalmente incapaz da análise crítica; só é capaz de criar profecias sombrias ou excomungar simbolicamente aqueles que considera uma ameaça para o corpo social e para a sua coerência quase mística. Quando a demanda de inimigos substitui a análise crítica, a imaginação perturbada facilmente encontra um grupo-alvo. Daí a necessidade premente de uma teoria da conspiração. Combinada com uma cegueira moral auto-imposta, um bloqueio da sensibilidade moral, uma recusa em aceitar a realidade, e uma aversão à lógica e aos factos duros, a visão conspirativa do mundo providencia o tipo de raciocínio e a lógica amoral necessários para encontrar um grupo-alvo indispensável. Um alvo destes, como já vimos, é apenas um duplo negativo da comunidade imaginada de verdade e virtude com que nos identificamos. A comunidade imaginada que amamos pode ser sustentada, na nossa imaginação, apenas pela projecção das suas práticas políticas vis e das suas manipulações sórdidas na comunidade imaginada que odiamos. É por isso que a teoria da conspiração há-se sobreviver sempre a qualquer regime político, cultura moral, ou tipo de governo. Qualquer que seja a sua aparência e qualquer que seja a sua origem numa qualquer sociedade, a teoria da conspiração é uma resposta já pronta para todas as questões políticas ou morais incómodas. De facto, sem a teoria da conspiração, o fanático em discussão parece um oximoro; o mesmo se pode dizer do indivíduo dogmático/ambíguo.

As notas de Orwell sobre a anatomia do ódio colectivo chegam a algumas conclusões de importância crucial. Antes do mais, os padrões da fé ideológica, o ressentimento e o ódio são permutáveis. Lealdades políticas e ideológicas são transferíveis. As identidades são móveis, instáveis e renováveis. Todas estas coisas se tornam possíveis não apenas por causa da política moderna manipuladora, da lavagem ao cérebro cínica ou da propaganda. É justamente ao contrário que poderemos formular a questão: manipulação, lavagem cerebral e propaganda podem tornar-se verdadeiramente eficazes apenas em épocas de lealdades transferidas e identidades fabricadas. Nunca teriam funcionado, por exemplo, na Europa Medieval ou da Renascença. O fenómeno das lealdades transferidas, das identidades fabricadas, e da permutabilidade dos movimentos de massas, encaixa-se exactamente nos parâmetros daquilo a que Ernest Gellner chama a “modulação” humana. Nesta perspectiva, o indivíduo modular, capaz de se ajustar a qualquer tipo de configuração social ou de situação política, e também capaz de iniciar ou terminar qualquer associação sem que possa ser acusado de traição, é uma criação da modernidade altamente ambivalente. É assim, porque que a modulação humana é igualmente indispensável à sociedade civil e ao nacionalismo – aqui tudo depende da direcção que toma e a que tipo de política adere. Enquanto expressão da flexibilidade e da liberdade de escolha modernas, pode muito bem servir como condição necessária para as liberdades cívicas. No entanto, pode também ser instrumental na configuração de movimentos nacionalistas, com grandes riscos. A fabricação de lealdades humanas, objectos de vínculo, identidades e personalidades – a pedra de toque da sociedade de massas anónimas – torna-se uma das forças mais ambivalentes e imprevisíveis da modernidade. 18

Em segundo lugar, as ideias de Orwell permitem-nos ver, sob uma nova luz, como e porquê marxistas ocidentais e russófilos políticos e ideológicos podem muito bem ser olhados, se não como irmãos na fé, pelo menos como irmãos na perda dramática da sua identidade e objectos de lealdade primordiais. A perda de um objecto primordial de amor, lealdade, pertença e memória, antecipa a chegada dos objectos forjados do ódio e do amor colectivos. Se começarmos a forjar um enquadramento interpretativo para uma verdade móvel e facilmente reajustável, e a criar um padrão do eu que apenas deixa espaço para lealdades transferíveis e permutáveis, ou para identidades de algum modo forjadas, mais cedo ou mais tarde acabaremos na ideocracia. Perderemos inevitavelmente as nossas tradições, as nossas pequenas coisas favoritas, amigos, família e, finalmente, língua e memória. Perderemos aquilo que nos torna humanos – identidade, liberdade e sensibilidade. Tendo sacrificado a fé, a história e a cultura, à glória dos fantasmas da imaginação perturbada, acabaremos inexoravelmente num terrível travesti de Verdade, Liberdade, Igualdade e Justiça.

Foi este o aviso de Orwell à humanidade no pós-guerra. Afirmar que, nos nossos dias, este aviso está desactualizado, seria uma forma de auto-engano.

George Orwell, "Notes on Nationalism", in George Orwell, Decline of the English Murder and Other Essays (Harmondsworth, Middlesex, England: Penguin Books, 1970), pp 155-156.

Para uma discussão sobre a morfologia do nacionalismo e sobre o potencial modernizador e crítico do nacionalismo liberal, veja-se Leonidas Donskis, Identity and Freedom: Mapping Nacionalism and Social Criticism in Twentieth-Century Lithuania (London & New York: Routledge, 2002.)

Aleksandras Shtromas propõe uma interpretação estimulante do nacionalismo vis-à-vis patriotismo. As suas observações brilhantes sobre as diferenças entre os dois são um bom exemplo de como um estudo reflectido sobre estas questões pode proporcionar uma reconsideração destes fenómenos. Veja-se Aleksandras Shtromas, "Ideological Politics and the Contemporary World: Have we seen the Last of 'Isms'?", in Aleksandras Shtromas, (ed.) The End of 'Isms'? Reflections on the Fate of Ideological Politics after Communism's Collapse (Oxford & Cambridge, M.A.: Blackwell, 1994), pp. 185-225.

Sobre esta questão, veja-se Donskis, Identity and Freedom, op. cit.

Veja-se Timothy Garton Ash, The Uses of Adversity: Essays on the Fate of Central Europa (London: Penguin Books, 1999), p. 154; p. 157; p. 191.

Orwell, "Notes on Nationalism", op. Cit., p. 163.

Veja-se Eric Hoffer, The True Believer: Thoughts on the Nature of Mass Movements (New York: Time, 1963). Por razões óbvias, não subscrevo muitas das leituras feitas por Hoffer no seu ensaio seminal e provocatório sobre o ódio e o fanatismo, escrito em 1953. Apesar de uma simplificação grave de toda a questão e de algumas distorções históricas evidentes no que diz respeito aos movimentos de massas e do seu papel na história, The True Believer permanece um trabalho de clareza e lucidez excepcionais. Do ponto de vista da acuidade da sua percepção sobre a natureza do auto-desprezo, incerteza, ambivalência, fanatismo e ódio, o ensaio de Hoffner é ainda o melhor até a data, nas áreas da filosofia moral, social e política.

Zygmunt Bauman, "Making and Unmaking of Strangers", in Sandro Fridlizius and Abby Peterson, eds., Stranger or Guest? Racism and Nationalism in Contemporary Europe (Stockholm: Almqvist & Wiksell International, 1996), p. 62.

Vytaustas Kavolis, "Nationalism, Modernization, and the Polylogue of Civilizations", Comparative Civilizations Review, 25 (1991), p. 136.

Leslek Kolakowski, Freedom, Fame, Lying and Betrayal: Essays on Everyday Life. Tradução Agnieszka Kolakowska (Boulder, CO: Westview Press, 1999), p. 139.

Hoffer, The True Beliver, op. cit., p. 83.

Raymond Aron, The Century of Total War (Boston, MA: Beacon Press, 1959), p.44.

Para além do já mencionado livro de Aron, para o estudo do totalitarismo como religião ou ideocracia abrangente, é ainda importante o seguinte livro de Aron, Democracy and Totalitarism, Translation Valence Ionescu (London: Weidenfeld & Nicolson, 1968).

Sobre esta questão, ver Thomas J. Scheff & Suzanne M. Retzinger, Emotions and Violence: Shame and Rage in Desctructive Conflicts (Lexington, MA: Lexington Books, 1991).

Sobre a teoria dos dois genocídios e a teoria da simetria entre os sofrimentos Lituano e Judeu, ambos disfarçados sob a forma de anti-semitismo Lituano, ver Donskis, Identity and Freedom, op. cit.

Hoffer, The True Believer, op. cit., p.86. É importante notar que Hoffer define claramente o termo "frustrado", que não é usado num sentido clínico. In ibid., p. 179, o autor escreve que "refere pessoas que, por uma razão ou por outra, sentem que as suas vidas degeneram ou são desperdiçadas."

Vytautas Kavolis, "NeaiBkumo patologijos" [The Pathology of Ambiguity], in Virginijus Gasiliunas, ed., Metmen laisvieji svarstymai: 1959-1989 [Free Debates of the Metmenys, 1959-19899 (Vilnus: Lietuvos raBytoj" sajungos leidykla, 1993, p. 126. Sobre o conceito da ambiguidade humana em Kavolis, veja-se ainda Leonidas Donskis, The End of Ideology and Utopia? Moral Imagination and Cultural Criticism in the Twentieth Century (New York: Peter Lang, 2000).

Sobre o conceito de modulação humana, veja-se Ernest Gellner, Conditions of Liberty: Civil Society and Its Rivals (London: Penguin Books, 1996).

Published 31 July 2003
Original in English
Translated by Adriana Bebiano

© Zona Non, Eurozine

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Read in: EN / PT

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